Adultério, roubo e fornicação são pecados de morte que têm de ser confessados ao pastor?
Algum tempo atrás escrevi um artigo aqui no Blog a respeito da necessidade ou não de confessar os pecados a outras pessoas para obter o perdão, analisando o texto de Tiago 5:16. Para minha surpresa recebi um comentário interessante e ao mesmo tempo preocupante de uma leitora que disse o seguinte:
“todo caso é um caso, pecadores todos nós somos, isso é fato, agora existe o pecado de morte, tipo adultério, roubo, fornicação antes de casar, etc. Esse tipo de pecado deve ser confessado ao pastor, e o pastor por sua vez com muito amor é claro, e com muito cuidado, aplica a disciplina, na presença de toda a igreja, a disciplina não é pra te jogar de volta ao mundo, é sim para que você se arrependa do que fez, porque quem confessa e deixa alcança misericórdia. 3 meses ou 6 dependendo da gravidade…”
Pecados de morte, existem na Bíblia?
Tentei argumentar com essa leitora a respeito de onde na Bíblia dizia que adultério, roubo, fornicação (sexo antes do casamento) eram “pecados de morte” e onde na Bíblia dizia que temos de confessar pecados a um pastor para sermos perdoados. Ela utilizou o texto de 1 João 5:16-17 para embasar a sua fala:
“Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue. Toda injustiça é pecado, e há pecado não para morte.”
Segundo ela o texto acima e o texto de 1 Timóteo 5:20 embasariam que existem sim “pecados de morte” e que devem ser confessados ao pastor: “Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os demais temam.” (1Timóteo 5:20)
A fim de organizar uma resposta adequada a esses questionamentos e avaliar a questão biblicamente, exponho abaixo explicações sobre essas questões levantadas pela leitora:
(1) Causa-me estranheza que alguém defina algo que a Bíblia não definiu. Estabelecer que alguns tipos de pecados são “de morte” não é algo apoiado pela Bíblia Sagrada.
Em nenhum lugar das escrituras vemos a citação de pecados nominados como sendo “pecados de morte”. A Bíblia diz que “… o salário do pecado é a morte” (Romanos 6:23).
Todo pecado nos leva à morte e não somente alguns. Já expliquei aqui no blog sobre o que a Bíblia diz sobre pecadinho e pecadão.
Apesar de alguns pecados serem mais odiosos a Deus e maiores em gravidade do que outros, não temos na Bíblia a designação nominal de que o pecado “a” ou “b” são “de morte” e outros não. Essa expressão não é apoiada pela Bíblia Sagrada.
(2) O texto de 1 João 5:16-17, diz que “Há pecado para morte”. A interpretação do que João quis dizer aqui divide opiniões. Alguns afirmam que João tinha em mente o pecado imperdoável (Mateus 12.31-32).
Outros afirmam que João se referia a teimosa recusa em dar ouvidos ao evangelho, conforme as palavras de Cristo em João 8.24. Outros ainda dizem que pode se referir a um pecado que é punido com morte física, como, por exemplo, o mencionado por Paulo em 1 Coríntios 11:30.
Independentemente de qual interpretação achemos mais correta para o texto de 1 João 5:16-17, vemos que em nenhum momento o texto cita nominalmente que adultério, roubo, fornicação e outros pecados são pecados “de morte.”
É bom ressaltar ainda que no texto a expressão “pecado de morte” está no singular e não no plural como coloca a leitora citando vários tipos de pecados.
(3) A leitora ainda afirmou que alguns pecados devem ser confessados para o pastor e serem contados para toda a igreja, aplicando-se disciplina na pessoa a fim de que ela seja restaurada.
O texto usado é o de 1 Timóteo 5:20: “Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os demais temam.”.
Em primeiro lugar é preciso observar que Paulo estava falando nesse texto a respeito de presbíteros que insistiam em viver em desacordo com o evangelho e não de crentes “comuns”.
Note que primeiramente Paulo foi criterioso no verso anterior a repeito de denúncias contra líderes da igreja: “Não aceites denúncia contra presbítero, senão exclusivamente sob o depoimento de duas ou três testemunhas.” (1 Timóteo 5:19).
Ou seja, Timóteo, que recebia as orientações de Paulo, deveria tratar líderes que “vivem no pecado” de forma mais severa e, em mantendo eles sua postura sabidamente errada, deveria repreendê-los na presença de todos.
O texto em nenhum momento diz quais pecados seriam esses e nem que um presbítero arrependido de seu pecado deveria ser tratado da mesma forma. A disciplina recaia naquele que era contumaz na prática do pecado.
(4) Sobre a questão da autoridade da igreja em aplicar disciplina, replico abaixo a orientação da Confissão de Fé de Westminster em seu capítulo 30.3:
“As censuras eclesiásticas são necessárias para chamar e ganhar para Cristo os irmãos ofensores para impedir que outros pratiquem ofensas semelhantes, para purgar o velho fermento que poderia corromper a massa inteira, para vindicar a honra de Cristo e a santa profissão do Evangelho e para evitar a ira de Deus, a qual com justiça poderia cair sobre a Igreja, se ela permitisse que o pacto divino e os seios dele fossem profanados por ofensores notórios e obstinados.” (Ref. I Co 5.1; I Tim. 5.20; 1 Tm 1.20; Jd 23)
(5) Assim, fica claro que a posição da leitora está incorreta biblicamente. Apesar de pecados de adultério, roubo e fornicação serem condenados nas escrituras sagradas, em nenhum momento nessas mesmas escrituras vemos que esses pecados são chamados especificamente de “pecados de morte” e nem que haja uma obrigatoriedade de confissão a um sacerdote para que mediante o arrependimento (e essa confissão ao sacerdote) a pessoa seja perdoada.
A Bíblia Sagrada afirma categoricamente: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1 João 1.9). No texto, o sujeito para quem confessamos os nossos pecados é o nosso Deus.
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